Olodum, Salvador da Bahia capital

Hoje é dia de celebrar os 45 anos do afro do Pelourinho, o Olodum. Data é um marco na história da Bahia

Hoje é dia de celebrar os 45 anos do afro do Pelourinho, um marco na história da Bahia e do Brasil. O Olodum fez uma revolução musical e quebrou paradigmas, mexeu em feridas de uma sociedade racista. Não somos a “negadinha “ que batemos tambor para o povo dançar. O tambor é a arma musical para mudar a vida de muitos jovens.

O afro foi criado por um grupo de jovens moradores do Pelourinho, na época chamado pejorativamente de mangue, brega entre outros adjetivos. Foi nesse contexto que o Olodum nasceu. Eu ainda nem morava em Salvador, mas o trabalho do bloco na área social e educacional já chamavam minha atenção e acabei estabelecendo uma relação muito especial com o grupo.

Ali ainda na sede antiga, no Largo do Pelô, subi muitas vezes aquela escada em êxtase, feliz como os eventos e o encaminhamento dos projetos. Vi surgir o rufar dos tambores, um projeto que teve a assinatura de Kátia Melo, Neguinho do Samba e João Jorge Rodrigues, voltado para crianças e adolescentes.

Outro marco foi a Escola do Olodum, unindo dança, percussão, cidadania. Aprendi muito, ouvindo as músicas do bloco, acompanhei a emoção do povo, dos Olodúnicos, dos moradores do Centro Histórico, ganhei o Troféu Ujaama, fui homenageada no ano do tema Roma Negra. Está lá na fantasia e eu quase chorei de emoção.

Vi surgir dentro do Olodum a Banda Didá, hoje Escola. Briguei com Neguinho do Samba, fiquei de bem. Ele era um gênio, teimoso como eu. Aplaudi Alberto Pitta, conheci Dora Lopes e, até hoje, tenho saudade dela. Foi no Olodum que conheci Rita Castro, Katia Melo, Germano Meneghael e tantos outros e outras que não lembro agora. Só tenho a agradecer aos olodúnicos que nem usavam esse título.

Ensaios do Olodum


Olodum, Salvador da Bahia capital
Hoje é dia de celebrar os 45 anos do afro do Pelourinho, o Olodum. Data é um marco na história da Bahia. Foto: Olodum

Os ensaios na rua eram uma opção para quem não tinha dinheiro, para o vendedor de picolé ganhar seu dinheiro e a baiana de acarajé vender seu quitute. Ali não havia apartheid, o território era nosso. E os tambores rufavam, o samba reggae embalando a multidão.

Naquela época, grupos de adolescentes de bairros periféricos e dos arredores do centro da cidade eram os jurados dos festivais de música, os que escolhiam as melhores canções, que estourariam no Verão. Ah, Olodum, protagonista de uma época difícil quando não havia internet e os jovens se viravam, ditavam as canções, época em que quase tudo era orgânico, saia do peito, do coração.

A manauara aqui trocou a toada pelo samba reggae, descendo e subindo as ladeiras e vielas do Pelourinho, conhecendo a travesti Carlete, o Preto Velho seu Domingos, que se comparava ao ator Denzel Washington, a Teca que cantava boleros pelas ruas do Pelô, figura ímpar que foi embora e nem se despediu de mim, quando eu soube já estava longe.

Os ensaios no Pelourinho eram mágicos, quando nossa música nem sonhava em tocar nas rádios porque não tínhamos dinheiro pra pagar, mas o que nós víamos nos ensaios era impressionante. Pense na imagem de jovens em meio à multidão com seus gravadores enormes no ombro ou na cabeça. Fazendo o quê? Gravando os ensaios e propagando a nossa música.

Era tudo muito intuitivo, afetivo. Os temas de cada desfile eram verdadeiras aulas que eu jamais aprenderia na escola formal. Lembro de “Nubia, Axum, Etiópia, da Atlântida à Bahia o mar é o caminho”, “Madagascar”, “Filhos do Sol”, “Filhos do Mar”. Roma Negra foi um dos temas mais polêmicos.

O artista plástico Alberto Pitta, em seu livro ‘Histórias contadas em tecido carnaval Negro Baiano’, explica que o termo foi criado pela ialorixá Mãe Aninha, do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, fazendo uma comparação entre a fé católica, em Roma, e a fé no candomblé, na Bahia.

“Constava na fantasia nomes de políticos, entre eles tinha a sigla ACM, que era o político da Bahia naquele momento. Só que de alguma forma não se pode negar contribuições, e o Olodum sabia disso. Tinha nomes também de pessoas e personalidades que faziam a Bahia. O próprio grupo pensou em apagar o nome no tecido e obviamente eu me recusei a fazer”, conta Alberto Pitta. E foi um dos carnavais mais bonitos que o Olodum já fez.

Momento difícil do Olodum


Olodum, Salvador da Bahia capital
Hoje é dia de celebrar os 45 anos do afro do Pelourinho, o Olodum. Data é um marco na história da Bahia. Foto: Olodum

Um momento difícil também marcou o Olodum. No dia 14 de julho de 1990, o hoje advogado Eusébio Cardoso foi atingido por um tiro de escopeta disparado por um policial que perseguia um homem negro em Salvador.

Euzébio se dirigia ao Aeroporto de Salvador, era a primeira viagem do então diretor do Olodum à Europa. O diretor chegou a mostrar o passaporte, o policial ignorou. Só não matou Eusébio porque os funcionários do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC) gritaram que ele era funcionário do instituto. Acompanhei como assessora de imprensa do bloco e conselheira o caso de um percussionista do bloco assassinado por um outro policial, chamado Alves. Ele foi morto aqui na Rua 28.

A diretoria e percussionistas do Olodum foram até a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e cobraram a prisão do assassino. Os músicos levaram seus tambores, sentaram no asfalto em frente à SSP e só saíram quando o titular prometeu intensificar as buscas pelo assassino.

O secretário pediu que a manifestação não acontecesse, visto que era hora de pico, mas João Jorge, na época diretor do bloco, não recuou. O secretário da SSP me comunicou que se a manifestação acontecesse, ele não receberia a diretoria. Eu só contei isso a João Jorge no momento em que ele e a diretoria atravessavam a Praça da Piedade em direção a Secretaria. João Jorge foi assim mesmo e subiu ao gabinete.

Não demorou mais de meia hora e o titular da pasta garantiu que o assassino seria preso e ele acabou sendo apresentado em menos de 24h. Aquele foi um momento muito forte pra mim, uma história marcante em minha vida. O secretário da SSP me perguntou quem poderia demover o Olodum daquele ideia de parar o trânsito. Minha resposta: só Jah! Ele perguntou: quem é Jah? Com o meu dedo indicador pra cima, ele entendeu. Jah é Deus na cultura rastafári.

Imagem ilustrativa da coluna ÓPRAÍ WANDA CHASE

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