Colunista Moacir Saraiva: “Uma morte fora de hora”

A nonagenária, há doze meses acometida de um AVC, falece, ela estava imóvel sobre uma cama, até a alimentação era por sonda, estava ali o corpo, praticamente sem vida, então os filhos, netos, noras, genros e demais parentes, a despeito de empreenderem um esforço enorme para mantê-la no meio deles, sabiam que, a qualquer momento, ela partiria e estavam tranquilos quanto a esse ciclo natural da vida.


Diante desse quadro, a família se uniu ainda mais e fazia seus eventos na casa da matriarca que era bem ampla. Aniversários comemorados e outros eventos celebrativos também eram festejados, pois eles experimentaram que a tristeza quando chega não pede licença e entra na vida ou de forma lenta ou abruptamente, como aconteceu com a mãe, assim sendo, criavam momentos de alegria para celebrarem a vida.


Chegou à copa do mundo, em 2014, no Brasil, e cada jogo da nossa seleção, eles se reuniam na casa da enferma e rolava churrasco, muita cerveja e a alegria contagiava a todos, afinal, viver é fundamental.


No dia do jogo entre Brasil e Alemanha, o clima de alegria formado, as bebidas e os demais insumos para a festa também já providenciados, no entanto, por volta das 10h a senhora faleceu. De imediato, houve choro, pois quando a gente está perto e assiste a partida de um ente querido, por mais que ele esteja em estado vegetativo, o sofrimento é grande e as lágrimas aparecem. Apesar dessa consternação com a morte da mãe, os filhos se reuniram e decidiram que o velório seria em casa e, apenas, após o jogo, de imediato providenciaram o caixão e arrumaram a mãe deixando–a bem bonita no féretro.


A senhora ficou lá em uma sala contígua à varanda onde assistiam o jogo, os netos choravam, pois antes desses doze meses, a avó era só mimos com as crianças e cativou o amor dos pequenos. Deram uma trégua por causa do jogo e todos na televisão.


Os times entram em campo, a velha, na sala, fria dentro do caixão e, na varanda, a alegria geral pela chegada dos canarinhos, a alegria era tanta que fazia esquecer o que estava ao lado dentro do caixão. O jogo começa, a enxurrada de gols contra o Brasil aparece rapidamente, a tristeza toma conta de todos, as crianças choram copiosamente e o choro aumentava à medida que a bola vencia o goleiro e ia para o fundo das redes brasileiras.


Todo o ambiente festivo, rapidamente cede lugar a um velório, aqui não se sabia qual era o velório maior, se o provocado pela derrota ou pela morte da matriarca, assim o choro foi dobrado, os netos e alguns adultos se assemelhavam as carpideiras de antigamente tamanha era a intensidade do berreiro, que começou onde estava a tv e foi deslocado para a sala onde se encontrava a defunta.
Os anjos da morte não marcam dia nem hora para se apossar de um ser humano, mas, por favor, ela botar a cara no dia de um jogo desses é demais da conta.

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