Colunista Moacir Saraiva: “Trágico fim do MSC”

 

Recentemente repeti uma viagem longa, peguei estrada e passei por muitas paragens no sertão nordestino, além das estradas, mergulhei em cidades, andando devagar ou caminhando para sentir o cheiro de cada uma delas e ver as peculiaridades.

Mudanças são inevitáveis com o passar dos anos, as estradas mais bem sinalizadas, mais largas, e por elas mais carros deslizam sobre o asfalto, uma novidade se apresentou, a presença de alguns radares limitando a velocidade, nas estradas cearenses, eles são chamados de “coletor de velocidade”. Uma outra não tão nova é a presença de quebra-molas ao longo de todo o percurso, em algumas regiões batizados de lombadas. Foi prazeroso deslizar pelas estradas por onde viajei.

Há outras mudanças substantivas, entretanto me deixou triste uma delas que na minha infância era muito presente e certamente todos da minha geração tiveram a alegria de participar coletivamente da criação de campos de baba, no Piauí – pelada. Ao nos “apropriarmos” de um terreno baldio para construir nossas arenas, com mão e facão, após tirar o grosso, o terreno ficava irregular, com pedras, tocos de pau e muitos buracos, à época, era uma arena para nós, e jogávamos de pés descalço, alguns rachavam os dedos, outros quebravam unha, as traves eram duas pedras, e, às vezes, alguns espertos reduziam o tamanho da trave de seu time. As bolas também de qualidade ruim, mas os babas eram bons, chegávamos em casa parecendo uns porcos de tão sujos que estávamos, no entanto, muito felizes, em algumas situações as mães nos batiam de chinelo ou por não termos chegado no horário combinado ou pelo estado como chegávamos.

No mutirão, havia meninos grandes, pequenos e todos magros, aparecer um rechonchudo na minha época de menino era raro. A alimentação bem diferente dos dias atuais e caminhávamos muito, andávamos de bicicleta, íamos para a escola caminhando, ao voltarmos corríamos para bater uma pelada. Longe de me arvorar a dizer que no meu tempo era melhor, era diferente, só isso.

Os campos eram construídos rapidamente pelo grupo de meninos, em mutirão, esse fenômeno era peculiar em cidades grandes, em outras menores, em povoados, em beira de estradas, enfim o Movimento dos Sem Campo – MSC – se fazia presente em todo o país, não havia sequer um vilarejo que não se encontrasse um campo construído com o suor e sangue dos meninos “fominha de bola”.

Nessa última viagem, nas estradas por onde andei, vi campos iluminados com grama sintética com iluminação e uma estrutura com chuveiro, arquibancadas, eram espaços construídos para alugar. Aqueles que estavam sendo usados, eram utilizados por idosos ou adultos devidamente equipados, com camisas charmosas, calções bonitos, meiões e chuteira e na disputa das partidas não vi aquela garra de nossos times de pés descalços, em que se quebrava dedo até perna na disputa de uma bola, agora, os babas que presenciei tinha um único objetivo: manter a forma a física dos participantes.

Em algumas cidades ou vilarejos eram campos construídos por prefeituras, geralmente integrados com quadras esportivas, também com boa estrutura, mas vazios. Esses equipamentos esportivos os vi em quase todas as cidades, em vilarejos e se via que eram obras feitas por profissionais, mas a meninada não mais brincando de baba ou pelada.

Ao invés dos campos, observei, ao longo das estradas e próximos às cidades ou aos vilarejos, muitos garotos e garotas sentados em tocos de madeiras, ou nos passeios de casas, outros, em tamboretes, vi alguns trepados em galhos de árvores, e todos muito ocupados com o celular. Diferentemente daquela época, existiam muitos gordinhos.

Não sei o que sufocou tragicamente o Movimento dos Sem Campo. Terá sido a intervenção do estado em ter construído os equipamentos antes feito em mutirão? Ou será mais um efeito da maldita pandemia que impôs medo de convivermos uns com os outros? Esse uso excessivo do celular não será também efeitos da maldita peste que decretou uma única forma de convivência: a virtual?

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Close