Colunista Moacir Saraiva: “Corretivos do passado”

         Outro dia, conversando com um idoso do sertão piauiense, me foram reveladas algumas histórias interessantes que, aos olhos de hoje, beiram à bárbarie, mas na falta de autoridade, de leis e de juízo, funcionavam muito bem e não causava nenhuma sequela, pois o sujeito que burlava os princípios da comunidade sabia que teria uma punição e a comunidade cônscia de suas obrigações para a manutenção do bem estar coletivo, não hesitava em exercer a autoridade que lhe era conferida. 

         No início do século XX, as festas no interior eram feitas nas casas, as pessoas tiravam os móveis do maior cômodo – chamada de varanda – e se tornava um salão de dança, em um canto ficava o músico, com a sanfona, só muito tempo depois a sanfona foi acompanhada por um pífano e depois outros instrumentos. A iluminação era com lamparinas dependuradasdo telhado, geralmente era uma lata de leite na qual se implantavam uma asa para segurá-la e três bicos de onde saiam os pavios onde era aceso o fogo, alimentado pelo querosene posto no interior da lata e este umedecia o pavio de algodãomantendo a luz acesa. Em um canto da sala, ficava um pote com água em uma bilheira ou forquilha de madeira, além do pote, um coco – objeto de alumínio para pegar a água do pote – e canecos de alumínio, poucos, as pessoas bebiam no mesmo caneco sem lavá-lo.

         Na parte de fora da casa, na parte da frente, pouca iluminação promovida apenas por uma mulher vendendo bolo e café;por um sujeito, em um botequim, que vendia cachaça, tiquira e Martini seco, além desses espaços, geralmente, havia um sujeito com uma mesa de jogo de caipira um jogo com dados. O botequim servia também para os homens deixarem as facas e chapéus, não havia senha, a confiança existia e ninguém pegava nada do outro. Para o descanso, na parte de fora da casa, colocavam-se forquilhas e sobre elas um tronco de carnaúba, para os que queriam sentar em algo menos duro, tiravam a esteira da sela do cavalo, colocavam-nasobre a carnaúba e o acento ficava mais confortável.

         As pessoas chegavam antes de começar o evento e muitos ficavam no salão – varanda – local onde ia acontecer a dança. Na hora de o sanfoneiro começar a tocar, os homens saiam do recinto, pois só eles pagavam a entrada – cota -, em festas menores, eles pagavam e, como todos se conheciam, não havia nada para identificar quem efetivasse o pagamento, em festas maiores, além do cobrador da cota, tinha alguém ao lado com um papel anotando o nome dos pagantes a fim de não haver equívocos.

         Segundo o meu interlocutor, eram momentos de alegria em que reinava a diversão, muita dança, apesar de o local, aos olhos de hoje, ser inóspito. Ele também disse que, vez por outra, aparecia um espírito de porco que quebrava essa harmonia, geralmente, movido pelo excesso de tiquira, era muito raro isso acontecer, pois todos sabiam da lei vigente, ainda assim, acontecia.

         Em uma festa dessas, um sujeito já bêbado, convidou uma jovem para a dança, naquela época era todo um ritual e a moça não podia negar a solicitação, mas pelo fato do estado de embriaguez do sujeito, a moça rejeitou a dança. Ele se sentiu ofendido e disse umas duas leras para a menina, alguns homens entraram e tentaram admoestá-loa respeitar a jovem. Ele, não satisfeito, saiu do recinto, bebeu mais uma dose e voltou cambaleando para atacar a jovem.

         Um irmão da moça e outros três amigos, o pegaram e aplicaram a punição para esses casos, já que o sujeito se negou a ouvir a admoestação. Os quatro rapazes o levaram para uma árvore e o amarram só o soltaram quando a festa acabou, ele já curado da cachaça, pegou o cavalo dele e se mandou.

         Era um costume de poucos lugares, segundo esse idoso.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Close