Colunista Moacir Saraiva: “A súplica de um defunto”

            O sessentão em uma mesa de bar com a esposa, filhos e amigos, em um sábado, à noite, jantando e um clima de muita alegria. O sujeito deu um grito não muito estridente e foi fisgado pela morte. A morte festejou porque não teve de fazer nenhum esforço para levá-lo, ele que eraalegre e estava em uma mesa de churrascaria. O moço teve pressa para sair desta vida.

            A morte comemorou porque, geralmente, ela tem um trabalho insano para levar alguém, a medicina está aí dando sobrevida a todos nós, como se não bastasse, recentemente, outras ciências estão ganhando a confiança da população e ajudam muito nesse processo, a fisioterapia, a educação física, a nutrição, a psicologia, a psiquiatria e outras ciências estão avançando e descobrindo novos mecanismos para dar mais qualidade de vida e longevidade ao seu humano, além disso, os laboratórios têm investido em pesquisas descobrindo novas drogas que concorrem para o ser humano viver mais e melhor. Para retardar mais ainda a ação da morte, a tecnologia tem desempenhado um papel fundamental para nós vivermos mais e melhor.

            Todos esses avanços não conseguem estabelecer uma regra geral para fazer com que o ser humano viva muito, há casos, como desse sujeito, que alegram muito a morte, pois ela não fez nenhum esforço, não desgastou o mínimo de energia para levá-lo.

            Asclepíades, o moço em questão, teve pressa para morrer, certamente, também teria pressa para ser enterrado ou cremado, pois de alguma forma ou ele não queria mais o mundo ou o mundo não o queria mais. Depois de ser arrumado, perfumado dentro do caixão, trabalho feito ainda no sábado por volta da meia noite, ele se alegrou e disse para si mesmo:

            – Domingo, até meio dia, sairei deste mundo.

            O enterro foi marcado para o domingo, 15:00h. Colocaram o féretro sobre um suporte apropriado, muitas flores sobre o defunto e chegaram outras enviadas por amigos, essa arrumação dentro de um espaço religioso, e aí colocaram umas músicas tristes que estimulavam o choro. Muita gente chorando ou apenas com a cara de defunto, demonstrando muita tristeza. O morto, puto da vida, refletia, quando eu era vivo, muitas dessas pestes, mal me cumprimentavam ou nem isso e agora com essa cara de quenga arrependida.

            E a comoção se alastrava pelo espaço, pois as músicas eram tristes demais, mas Asclepíades, mesmo triste, se alegrava, pois estava chegando a hora de sair daquele meio. Por volta das 14:00h, algumas lideranças religiosas (dez) se postaram formando um arco em torno do esquife, a música cessou e aí uma das lideranças religiosas pegou o microfone, leu um trecho do livro sagrado e não fez nenhuma referência ao defunto, apenas começou a falar alto tentando converter para seu credo as pessoas que estavam ali. A fala se estendeu e alguns dos presentes começaram a sair, depois outro líder fez uso da palavra e mais outro e o defunto se retorcendo de raiva, mais das falas do que dos faladores, quando o quinto líder terminou a tentativa de conversão dos poucos amigosque ainda acompanhavam o defunto, já era 16:50 e só permanecia no local os parentes bem parentes.

            Neste momento, a alma do defunto explodindo de raiva, se sentou no caixão e gritou, se dirigindo aos líderes religiosos:

            – Suas desgraças, quero ser enterrado.

            Claro, ninguém ouviu nada, mas algo tocou nas lideranças que ainda não tinham feito o uso da palavra, mesmo frustrados, desistiram de falar e o defunto foi levado para a morada final, acompanhado apenas pelos parentes bem parentes, nem os discurseiros o acompanharam.

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