Colunista Joice Vancoppenolle: “Caros e raros”

Num futuro próximo, as mudanças climáticas vão criar um novo mapa da vitivinicultura mundial. Assim como a Califórnia surgiu como produtora de vinho na década de 1970, especialistas acreditam que outras regiões também podem se destacar. Um exemplo é a Tasmânia, ilha ao sul da Austrália, cuja produção de vinhos vem aumentando 10% ao ano desde 2009 – enquanto o país como um todo teve crescimento anual de apenas 1% na vinicultura durante o mesmo período. A ilha pode se tornar a maior produtora da Oceania se a temperatura  continuar aumentando como previsto. Jancis Robinson, uma das maiores especialistas em vinhos no mundo e autora do Atlas Mundial do Vinho (relançado recentemente no Brasil, pela Globo Livros), já vê mudanças positivas em certas regiões por causa do aquecimento global. Segundo ela, o aumento da temperatura permitiu produzir uvas com melhor amadurecimento em Central Otago, na Nova Zelândia, e na Colúmbia Britânica, no Canadá. Mas é possível que no futuro encontremos facilmente vinhos de países como: Alemanha, Áustria, Dinamarca, Suécia, Canadá, Rússia e até da China.
Se a procedência dos vinhos descrita nos rótulos deve mudar, as castas e até os blends (misturas de uvas que fazem um vinho) também se transformarão à medida que a temperatura do planeta sobe. Variedades com melhor adaptação ao calor, como tempranillo, syrah e garnacha, podem ter sua produção aumentada para substituir uvas que se dão melhor em climas frios, como pinot noir e cabernet franc. Alguns vinhos brancos, talvez tenham sua produção seriamente afetada e corram sério risco de desaparecer. Isso porque a casca das uvas de que são feitos não consegue resistir ao clima mais quente, podendo levar à extinção dos vinhos produzidos a partir de castas como gewürztraminer ou pinot gris.
Outro efeito colateral do calor é o aumento da porcentagem de álcool nas garrafas. Ao fazer fotossíntese, as parreiras produzem açúcar, que se transforma em álcool durante o processo de fermentação. Graças à maior incidência de raios solares e ao efeito estufa, as uvas vão amadurecer mais rápido. Isso faz os frutos concentrarem mais açúcar, que será metabolizado em álcool. Qual o resultado então? Maior teor alcoólico, o que já vem sendo comprovado: vinhos produzidos hoje em Bordeaux, na França, contêm até 16% de álcool. No início da década de 1980, esse percentual era 3,5 pontos menor. Os vinhos feitos da uva zinfandel,  na Califórnia, ficaram 30% mais alcoólicos desde 1990, segundo a Associação de Viticultores do Vale do Napa.
Enquanto algumas vinícolas compram propriedades em regiões mais promissoras como a Bodegas Torres – uma das maiores da Espanha, que acaba de garantir terras para começar a produzir na Tasmânia,  outras investem em técnicas para suavizar o calor e proteger as uvas do Sol. Na Califórnia, produtores contam com o custoso trabalho manual de agricultores para descartar as uvas muito maduras. Cerca de 15% da produção de uvas que poderiam ser boas vai para o lixo. É como abrir mão de 15% da sua produção em prol de um vinho de melhor qualidade. Os custos, claro, são repassados a nós, consumidores e enófilos, tornando os vinhos mais caros.
Outra questão que pode elevar o preço da bebida são as chuvas torrenciais, cada vez mais comuns em muitos países. Em 2016, vinicultores da Borgonha, na França, foram surpreendidos por uma tempestade de granizo de três minutos de duração que afetou algo entre 50% e 90% da produção de uvas de algumas propriedades. Além de alterar as temperaturas médias e os regimes de precipitação, o aquecimento global pode provocar eventos extremos como inundações e tempestades, muito prejudiciais às uvas. Essas perdas exigem replantio e investimentos que podem até dobrar o preço dos vinhos nas próximas décadas. Segundo informações da Universidade de Adelaide, na Austrália, um metro quadrado de parreiral, por exemplo, pode custar mais de US$ 25 mil em regiões da Europa e dos Estados Unidos.
Mas, para nós, amantes de vinho já preocupados com os problemas causados pelo aquecimento do planeta até 2050, as más notícias não param por aí, infelizmente. Previsões feitas pelo Imperial College, do Reino Unido, indicam que mesmo áreas consideradas promissoras para produzir vinhos na Inglaterra serão quentes demais para isso 30 anos mais tarde – em 2080. Temos de torcer para que tais estudos não sejam tão precisos e estudar alternativas para controlar o aumento da temperatura do planeta nos próximos anos. Do contrário, a taça de vinho no jantar terá de ser substituída por um copo d’água. Isso, se houver água, claro!
“Nas vitórias  é merecido, nas derrotas é necessário.”
Napoleão Bonaparte

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