Carro novo é caro? Seus pais e avós pagavam mais ainda para andar de Gol básico e Fusca inseguro

Reclamar do preço dos veículos 0 km no Brasil se tornou um hábito tão popular quanto cornetar o time nas quartas e domingos. Mas a indignação dos leitores a cada notícia sobre um novo reajuste de preço tem justificativa: os atuais valores de modelos campeões de vendas são um dos mais elevados das últimas décadas.

Carro mais vendido do Brasil desde 2015, o Chevrolet Onix custa atualmente R$ 58.590 em sua versão de entrada, a LT (com motor 1.0 aspirado e câmbio manual). Assim como no restante da indústria, os preços de 2020 foram reajustados diante da crise econômica provocada pela pandemia e a pressão cambial — que influencia a importação de componentes e o custo de matérias-primas. Para ter ideia, quando a nova geração foi lançada no ano passado, o Onix LT custava R$ 51.590.

Em comparação com os carros mais vendidos do Brasil nos anos redondos das últimas décadas (1960, 1970, 1980, 1990, 2000, 2010), o preço atual do Onix em valores absolutos só não é maior que o VW Gol CL 1.6 vendido em dezembro de 1990: em valores corrigidos, a versão de entrada do modelo da fabricante alemã custaria R$ 75.668,33.

Chevrolet Onix LT passou por mudanças de precificação, assim como o restante da linha (Foto: Julio Cabral/Autoesporte) — Foto: Auto Esporte

Chevrolet Onix LT passou por mudanças de precificação, assim como o restante da linha (Foto: Julio Cabral/Autoesporte) — Foto: Auto Esporte

Apesar disso, os valores atualizados dos modelos mais vendidos nas últimas décadas não são tão diferentes em relação ao atual Chevrolet Onix. Ao realizar uma comparação histórica dos valores dos salários mínimos, quem está querendo comprar um carro em 2020 tem mais ou menos o mesmo poder de compra do que os país e avós em 1960: um Onix de entrada “custa” 54,87 salários mínimos, enquanto um Fusca básico era comprado por 56 salários mínimos da época.

Em comparação com 1990 e 2000, entretanto, pagamos proporcionalmente mais “barato” para comprar um carro: para ter ideia, um VW Gol 1000 vendido no ano 2000 custava cerca de 110 salários mínimos. Comprar um carro novo nunca foi barato no Brasil.

Mas é necessário lembrar também que um carro fabricado por aqui em 2020 não é apenas um bloco de metal esculpido sobre um chassi, como os modelos que saíam das linhas de montagem nas décadas anteriores. Graças à legislação mais rigorosa e à significativa melhora na curva tecnológica das fabricantes, um Onix básico já sai de fábrica com airbags frontais, freios ABS, direção elétrica, ar-condicionado e sistema de som com quatro alto-falantes. Tecnologias inimagináveis para um veículo de entrada fabricado há 10 anos.

Em outras palavras, seus familiares de cabelos brancos têm mais motivos para se revoltarem com os preços dos veículos do que você.

Confira a seguir os preços atualizados dos veículos mais vendidos da história do Brasil e entenda como esse cálculo foi realizado.

Volkswagen Fusca (1960): R$ 54.495
Antes mesmo de ser produzido no Brasil, a partir de 1959, o modelo popular da Volkswagen já era um sucesso no mercado nacional — as primeiras unidades desembarcaram por aqui em 1950.

Em setembro de 1960, uma tabela de preços da época compartilha as poucas opções de modelos disponíveis à época, quando a indústria automotiva ainda nascia no Brasil: junto de marcas como DWK-Vemag, FNM, Romi-Isetta e Willys-Over, o Volkswagen Fusca era anunciado por 540.000 cruzeiros.

Em uma época que o salário mínimo estava relativamente valorizado — 9.600 cruzeiros ou R$ 968,81 em valores corrigidos — comprar um Fusca equivalia a 56,2 ordenados básicos.

VW Fusca começou a ser produzido no Brasil em 1959 — Foto: Divulgação

VW Fusca começou a ser produzido no Brasil em 1959 — Foto: Divulgação

Volkswagen Fusca 1300 (1970): R$ 52.693
Onze anos após o início da produção nacional, o modelo da fabricante alemã continuava firme e forte como o carro mais vendido do Brasil. A versão de “entrada”, a 1300, era vendida em outubro de 1970 por 12.721 cruzeiros — o país tinha passado por três reformas monetárias apenas na década de 1960.

Naquela época, o salário mínimo equivalia a 187,20 cruzeiros, ou R$ 775,43 em valores corrigidos, sendo necessário desembolsar cerca de 68 salários na compra do Fusca.

Volkswagen Fusca 1300 (1980): R$ 39.224
O Fusca mais barato do país apresentava seu menor valor em números corrigidos. Em maio de 1980, custava 168.905 cruzeiros, sendo que o salário mínimo da época era de 4.149 cruzeiros (ou R$ 963 em valores atuais).

Naquele ano, entretanto, um novo protagonista da Volkswagen estava prestes a entrar no jogo. Lançado em maio, o Gol chegava em sua versão mais acessível custando 220.130 cruzeiros, ou R$ 45.913 em valores atuais.

Com 40,7 salários mínimos era possível comprar o VW Fusca básico, indicando um poder de compra maior do que o de 2020. Nem parecia que a década de 1980 seria aquela lembrada como “perdida” pelos economistas, por conta das sucessivas crises que ocorreram nos anos seguintes.

Volkswagen Gol CL 1.6 (1990): R$ 75.668
A coisa estava feia para a economia brasileira no início da década de 1990 e isso se refletia no preço dos veículos. Sem contar a hiperinflação do período: em junho de 1990, o VW Gol 1.6 de entrada era vendido por 637.999 cruzeiros (ou pouco mais de R$ 77 mil em valores corrigidos). Ao final do ano, em dezembro, o preço havia saltado para 1.621.405 cruzeiros (correspondendo a R$ 75.668).

Para acompanhar a inflação descontrolada, os salários mínimos eram corrigidos mês a mês. O poder de compra despencou: eram necessários incríveis 183 salários mínimos para comprar um Gol básico — em dezembro, o salário era de R$ 412,4 em valores atualizados.

Deve-se destacar também que esse foi o início da abertura da economia brasileira para a importação de produtos fabricados em diferentes países, o que provocou um choque entre as cadeias produtivas nacionais.

Volkswagen Gol 1000 (2000): R$ 55.691
Com a chegada do real, a inflação foi controlada, mas a economia ainda enfrentava sérios desafios para crescer no final da década de 1990. Em dezembro de 2000, o Gol 1.0 básico custava R$ 16.599. Mas o salário mínimo também era baixinho: R$ 151 (em uma época que já não havia mais paridade entre o dólar e o real), sendo necessário desembolsar quase 110 salários para comprar o veículo da Volkswagen.

O preço das versões topo de linha eram mais ou menos semelhantes às praticadas nos tempos atuais pelos modelos de melhor desempenho: o Gol GTI 2.0 de 16 válvulas, por exemplo, era vendido em dezembro de 2000 por R$ 24.840, ou R$ 83.340 em valores corrigidos.

VW Gol: da primeira à quinta geração (Foto: Divulgação) — Foto: Auto Esporte

VW Gol: da primeira à quinta geração (Foto: Divulgação) — Foto: Auto Esporte

Volkswagen Gol 1.0 flex (2010): R$ 46.261,26
Há dez anos, o modelo ainda era o carro mais vendido do país — só perderia o reinado em 2014, quando o Fiat Palio o superou em vendas (e, no ano seguinte, o Chevrolet Onix). Sua versão mais básica, que custava R$ 28.790 em dezembro de 2010, havia passado por uma redução de preço (o mercado aquecido ajudava a deixar os veículos com preços mais competitivos.)

Ainda assim, era necessário desembolsar cerca de 53,3 salários mínimos para comprar o veículo, pouco menos que o poder de compra de 2020.

E era um carro pelado: ar-condicionado, freios ABS, airbags, travas elétricas e direção hidráulica eram opcionais. De fábrica, apenas o para-choques pintado na cor do modelo.

O preço dos veículos mais vendidos do Brasil
Os valores (em reais) estão atualizados e corrigidos
Preço54.49554.49552.96352.96339.22439.22475.66875.66855.69155.69146.26146.26158.59058.590VW Fusca (1960)VW Fusca 1300 (1970)VW Fusca 1300 (1980)VW Gol CL (1990)VW Gol 1000 (2000)VW Gol 1.0 (2010)Chevrolet Onix 1.0 MT (2020)025k50k75k100k

Como os valores foram calculados?

Para realizar essa análise, foi necessário um desafio duplo: encontrar o preço dos veículos (infelizmente, as fabricantes não têm o hábito de preservar esses registros) e também realizar um cálculo coerente — que o diga as diferentes moedas que circularam por aqui e os índices inflacionários de quatro dígitos do início dos anos 1990.

Com a ajuda de duas enciclopédias humanas da memória automotiva, Felipe Bitu e Marcos Rozen (criador do Museu da Imprensa Automotiva), foi possível resgatar revistas e jornais antigos com as tabelas de preços dos veículos.

Fábrica da Volkswagen no Brasil e a produção do Fusca — Foto: Divulgação

Fábrica da Volkswagen no Brasil e a produção do Fusca — Foto: Divulgação

O cálculo dos valores atuais, por sua vez, contou com a ajuda da tabela atualizada do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que mostra a evolução do salário mínimo desde a sua instauração, em 1940. Com isso, foi possível converter de maneira correta os valores dos salários mínimos da época em comparação com os índices econômicos atuais.

É necessário ressaltar, entretanto, que esses são valores aproximados, já que o valor do salário mínimo era diferente de acordo com as regiões do país e os preços dos veículos também não eram nacionalmente padronizados: os preços aqui levam em conta as praças de vendas de São Paulo e Rio de Janeiro.

Também vale destacar que outros indicadores devem ser levados em conta para analisar a “saúde econômica” dos consumidores, como índice de empregabilidade, a formalização das vagas de trabalho e a massa salarial total. De qualquer forma, os carros também ajudam a contar a história do Brasil.

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