Colunista Moacir Saraiva: “Cadê o respeito?”

Lá estavam os idosos, em um restaurante, os dois, ela na cabeceira da mesa e ele em posição perpendicular e bem próximo dela, trata-se de um casal, pois os conheço de vista, apenas, não tenho aproximação com eles. Eram duas mesas juntas, na outra ponta, estava um jovem, não deu para identificar se era filho ou não, talvez fosse, mas pelo distanciamento físico e também a não aproximação para ajudar aos parceiros da mesa, a certeza desse laço parentesco ficou pairando no ar.

O idoso e o jovem bebendo cerveja e a idosa se deliciando com um suco, parece-me que de maracujá. O jovem falava alto, talvez porque os anos já tenham colocado camadas nos tímpanos dos idosos. Por eles já estarem curvos para os anos, tragavam lentamente suas bebidas, o mancebo bebia dois copos da cerveja, o idoso não acabara ainda a metade do primeiro, e o suco da idosa baixava muito pouco no copo.

Lá pelas tantas, observei um movimento maior do casal, eles se levantaram, se deram as mãos e se dirigiram aos banheiros, como se fosse um se apoiando no outro, não sei quem ia levando quem, mas me chamou a atenção, o companheirismo dos dois, os passos eram lentos, iam dialogando e no trajeto foram cumprimentados efusivamente por outros fregueses. Voltaram no mesmo ritmo e do mesmo modo, de mãos dadas.

Não demorou muito, o churrasco para a mesa deles chegou, lentamente, o senhor se colocou de pé, tirou dois pedaços do espeto, colocou no prato da esposa e os cortou em pedaços pequenos, em seguida, continuou seu gesto de amor, completando o prato da esposa, colocando feijão tropeiro, salada, uma colher de arroz e vinagrete, em seguida lhe entregou os talheres, antes disso, pegou um guardanapo e colocou a metade sob o prato da esposa, após esse ritual, sentou-se e foi se servir.

Na pandemia, muitos profetizaram que o ser humano se revestiria de bons sentimentos, por isso, o mundo iria melhorar, segundo estes, o sofrimento e a morte repentinos encheriam o coração humano com carradas de amor fraternal e isso seria o maior legado dessa peste que ainda assola o mundo.

Saindo dessa mesa emblemática, não se vê isso, a pressa, o ódio, e o desrespeito estão mais aguçados. Boa parte da sociedade, ancorados nas suas convicções, nem refletem sobre o que ouvem, mas respondem antes de o interlocutor terminar de argumentar, não é uma resposta e sim um discurso de colonizador, em que a ideia do colonizado, não tem nenhum valor, fala apenas para convencer o outro. Nas redes sociais, como nas guerras do passado, se assiste não mais uma briga de espadas de aço, ou de canhões, mas espadas linguísticas e rojões de balas textuais, cujo objetivo é o mesmo das guerras passadas, matar o outro, matar a ideia do outro, desqualificá-lo a todo custo, se possível, eliminá-lo. Assim como no passado, para esses beligerantes, só tem “valor moral, intelectual, religioso ….. “quem tem ideias similares às suas.

Em plena pandemia, muitos agentes públicos, esvaziados de amor fraterno e de cidadania, “desviaram” dinheiro público destinado a tentar curar pessoas infectadas com o vírus maldito. Isso é algo inimaginável e inominável, mas aconteceu e continua acontecendo, segundo os órgãos fiscalizadores.

Pandemias e catástrofes não são capazes de mudar o ser humano. Será que  só um coração despedaçado pela idade seja capaz de se encher de amor fraterno?

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