Mais letal entre os negros, combate ao coronavírus é um desafio nas favelas de Salvador

Os dados divulgados pelo Ministério da Saúde que apontam que o coronavírus é mais letal entre a população negra é motivo de preocupação para Salvador, a capital mais negra do país – 82,7%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, bem como para a Bahia, estado brasileiro onde pretos e pardos representam a maior fatia da população.

Segundo levantamento divulgado pela pasta federal no último dia 10, os negros representavam 23,1% dos pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave, mas chegavam a 32,8% dos mortos pela Covid-19.

Um fator preponderante para a letalidade no país ser maior entre os negros é o fator socioeconômico, como defende a médica infectologista e professora da Universidade Federal da Bahia e da Unime, Nilse Querino.

“O primeiro fator é claro: socioeconômico. Um indivíduo que tem seu plano de saúde, acesso ao hospital privado, rapidamente é atendido. Ele pode ter as complicações, mas tem uma chance maior de sair dessas complicações”, disse.

“Um indivíduo de baixo nível socioeconômico depende do serviço público, e aí todo nós sabemos as dificuldades do SUS para atender essa gama de população [negra]”, completou.

Em números absolutos, a Bahia é o estado do Brasil que concentra o maior número de pessoas pobres (6,3 milhões), de acordo com dados de 2018 do IBGE. Dessa fatia, 43,8% dos indivíduos se declararam pretos ou pardos, enquanto 38,6% são brancos.

Em Salvador, enquanto 22,3% da população total da capital baiana estava abaixo da linha de pobreza em 2018 (637 mil pessoas), entre as pessoas brancas o percentual caía para 15,2% (71 mil). Entre as pretas ou pardas, o percentual subia para 23,6% (558 mil). Era a 19ª maior diferença (8,4 pontos percentuais) entre as 27 capitais.

Os números apontam que, na Bahia, raça e classe social são elementos indissociáveis, como explica Sélton Diniz, que é mestre em saúde comunitária, doutorando em Enfermagem e Saúde e tem como linha de pesquisa as desigualdades no campo da saúde.

“Quando a gente está falando em grupos vulnerabilizados socioeconomicamente, a gente vai estar falando da população negra”, afirmou.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia afirmou que não tem informação sobre a raça das vítimas confirmadas com a Covid-19 no estado, nem das pessoas que morreram em decorrência dela.

Além da condição socioeconômica, a professora Nilse Querino aponta as comorbidades – quando o paciente tem duas doenças associadas –, a obesidade e o traço falcêmico como fatores de risco para a população negra.

O traço falcêmico, que, segundo ela, está presente em 15% da população da Bahia, pode estar associado à taxa de mortalidade.

“Eu vou muito no recorte de Salvador, onde nós temos muitos afrodescendentes, que seria uma linha de especulação de pesquisa. Nós temos uma coisa chamada traço falcêmico. O que é isso? Uma doença recessiva onde um indivíduo tem uma porcentagem das suas células do sangue vermelho, as hemácias, elas são defeituosas. Ele praticamente não sente nada, porque é um traço recessivo. Ele só tem a anemia falciforme se for dominante”, afirmou.

“Imagine você que já se sabe hoje que o vírus agride as hemácias. Ele vai lá e tira oxigênio das hemácias. Imagina uma população que já tem um defeito nessas hemácias. Entra esse vírus, então é de se pensar que vai haver também uma dificuldade maior na recuperação, que também venha a contribuir na mortalidade”, conclui.

Desafios no combate à Covid-19 nas favelas

É a população mais vulnerável economicamente que enfrentará dificuldades na hora de adotar o distanciamento social e a higienização, principais medidas de combate ao coronavírus.

Em muitas favelas de Salvador, moradores reclamam constantemente da falta de água. O álcool em gel, outro aliado na hora de higienizar as mãos, não é acessível a todos.

É preciso refletir, também, sobre a dificuldade de manter o distanciamento entre as pessoas nos bairros economicamente mais vulneráveis da cidade, como explica Sélton Diniz.

“Até pouco tempo, a gente sabia que havia doenças que estavam intimamente ligadas às condições de vida da população. É o caso de tuberculose, de hanseníase. Na tuberculose, por exemplo, a gente tem um grande problema que é a aglomeração. Como eu vou poder impedir aglomeração em locais que o que separa uma janela da outra são mais ou menos dois ou três palmos? A gente entra nessa mesma lógica na questão da Covid-19”, disse.

Outra questão que tem preocupado as autoridades em saúde é aglomeração de pessoas nas ruas, especialmente nesses bairros. Muitos não cumprem a recomendação de não sair às ruas, exceto em caso de necessidade.

Para Sélton Diniz, há uma falha no processo de comunicação entre o poder público e os moradores das favelas.

“Na prática, o que eu vejo muito claramente é a falta de informação. A informação não chega como deve. As pessoas escutam falar em coronavírus, mas não sabem efetivamente o que é”.

Sélton aponta a direção que pode ser seguida no combate à Covid-19.

“É questão de estar ali perto, as unidades de saúde, entidades, lideranças comunitárias, estarem conscientizando a população da importância do isolamento social, porque é importante que aqueles estabelecimentos que, mesmo os que podem ser abertos, que cumpram com as normas que possam realmente evitar essa aglomeração”, disse. (G1/Ba)

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