Desconstruindo Amélia

Maria do Campo Grande (porque se a da Penha é brava, imagina a de Campo Grande

 

Por Angélica Gomes | Atualiza Bahia

 

Tendo como referência as músicas de Elza soares e de Pitty que dá ênfase a história de Sandra Muñoz. Uma mulher guerreira, “um monstro de defender mulheres” é assim que ela se intitula. Ativista feminista LGBT, de 47 anos, começou seu legado como defensora das mulheres e dos que sofrem violência aos três anos de idade, tendo como inspiração sua mãe, uma mulher que sofria violência de seu marido. Após participar de uma palestra escolar que falava sobre violência contra as mulheres, e cansada de presenciar as agressões sofridas pela mãe, Sandra tomou a decisão de se tornar uma defensora das “Marias”.

Mulher negra de olhos serenos, que mesmo com todas as dificuldades da vida nunca se deixou abalar, não deixou de acolher aqueles que precisavam. Lutava pela própria vida e pela vida dos outros. Mesmo no auge de uma doença terrível, a luta incansável contra um câncer de mama, Sandra não deixou de desconstruir Amélia. Sim, desconstruir aquela versão de mulher perfeita, obediente e que segue as regras para agradar o companheiro, uma mulher sem voz.

Imaginei ouvir uma história sofrida, mas acabei me surpreendendo com uma história de garra e luta pela justiça e igualdade. Sandra, a mulher de Belo Horizonte que se engajou nos movimentos sociais do estado e se mudou para Salvador para continuar seu legado na cidade baiana, com ajuda apenas de sua mãe e sem nenhuma ajuda do governo, passou a acolher pessoas que sofriam violência, não só mulheres, como também pessoas da comunidade LGBT.

Cheia de planos, Sandra deu início a sua história na capital baiana não apenas com a sua casa, mas também como representante de diversos movimentos sociais e como coordenadora da rede de atenção a violência contra mulheres.

Sempre decidida em lutar pela justiça e direitos das pessoas, Sandra construiu vários aliados, como Moises dos Palmares, que a conheceu através do movimento de ocupação do Ministério da Saúde e que acompanhou suas lutas e a casa onde abrigava as pessoas. “Eu me lembro como hoje, no movimento de ocupação estava tendo uma roda de conversa. Eu olhei de longe e vi uma mulher linda, com uma calça roxa, uma camisa branca listrada e tranças brancas de lado, e no momento em que fui colocar meu colchão no local indicado eu passei por ela e falei: nossa você é muito linda e nisso nós rimos. Foi paixão à primeira vista, daí por diante não nos separamos, mas e eu acompanhei ela em sua luta”, conta Moíses.

 

Casa da Sandra Muñoz

A casa de Sandra Muñoz foi um dos principais símbolos de sua luta. “Eu queria que a casa chamasse Casa Cristal Lilás, mas acabou não dando certo. Um projeto que eu queria fazer, eu falei para minha mãe que o projeto não ia dá certo, ela disse: quem disse? Vai dá certo sim, mesmo que não se chame casa lilás a gente acolhe as pessoas”, diz Sandra sobre a história da casa.

Uma espécie de casarão, aquelas casas antigas que ainda se encontram pelas ruas de Salvador. O tipo de uma casa que traz história, com portões velhos e parede de cor amarela, localizada na rua do Forte de São Pedro. O casarão para quem ver por fora não dá nada, mas aquela casa com seis quartos e de dois andares, acolhia diversas pessoas de diferentes etnias e lugares.

Sem ajuda de ninguém, nem tão pouco do governo, a casa era mantida pela mãe de Sandra, que além de manter a casa também mantinha as pessoas que ali se abrigavam. Pessoas essas do brasil inteiro e até mesmo de outros países. “teve gente que morou comigo três anos, dois anos, um ano; nunca nenhuma daquelas pessoas que morou comigo pagou uma luz, uma água um telefone” relata.

E apesar das circunstâncias, nunca ninguém ficou com fome em sua casa, afirmando sempre ter sido uma casa de fartura sem ter o que reclamar. Todos na casa eram bem-vindos e tudo funcionava sem regras, as pessoas entravam, comiam e bebiam. Todos que precisavam iam até ela ou pessoas iam indicando outras que necessitavam ser acolhidas.

Marcha das vadias

A história da marcha das vadias foi amor à primeira vista. Já existente no Brasil e no mundo, com origem no Canadá e feita por Cista Katsia na Bahia, Sandra bateu os olhos na marcha e ela te chamou.  “eu estava passando no 2 de julho e vi Cista lá na ladeira da montanha. Vi ela falando: bixa eu estou aqui na marcha das vadias. Eu falei viado minha cara, vadia? Comigo. E aí eu falei com ela que eu queria participar”, conta Sandra como entrou na marcha e se tornou uma representante.

Apesar da marcha das vadias ser um movimento de protesto contra a crença de que as mulheres que são vítimas de estupro teriam provocado a violência por seu comportamento, ainda tinha muitas mulheres que não gostavam do nome e acabavam por criticar ao invés de ajudar, e como uma afronta Sandra fez a “marcha de las putas” envolvendo a América Latina.

A marcha das vadias fez história em Salvador na época em que Sandra ainda morava aqui, perdendo sua importância e se desfazendo pelo fato de ter tido muitas brigas, com questão de partido, mulheres que não entendiam, mulheres Cis, mulheres Trans.

Com tanta confusão a marcha chegou ao seu fim, mesmo tendo sido algo gigantesco como movimento social. Sandra conta como era difícil dar conta de toda a marcha, pois ela coordenava tudo pelas redes sociais, ficando horas e horas em reunião com mulheres do Brasil inteiro, e tinha que dar conta disso sozinha.

 

Refúgio ao Paraguai

Sendo uma mulher que briga pelos direitos e que não leva desaforo para casa, Sandra teve que sair do país por conta de inúmeras ameaças contra a sua vida, de maridos de mulheres que foram acolhidas em sua casa. “O caso mais emblemático para mim foi o New Hits aí da Bahia“, conta Sandra sobre o caso em que ela ajudou as meninas vítimas de estupro.

Estando sozinha na capital, e sem ajuda de sua mãe que faleceu em dezembro do ano passado, Sandra acabou ficando só, e brigando para não perder a casa. Com todas as brigas e carregando a bagagem de quem acolhia, acabou tendo inimizades e sofrendo perseguições, tendo que sair do Brasil e se mudar para o Paraguai “A última para mim foi uma moça que um policial achou na rodoviária de Salvador, mulher de um traficante”, conta.

Chegando ao ponto de apanhar, com situações financeiras difíceis e aparecendo na mídia a todo momento, Sandra tomou a decisão de sair do país. “Eu recebia ameaças dos maridos das mulheres que ficavam na minha casa, que eu acolhia. Eu e uma mulher que era vítima de violência já chegamos a ser espancadas juntas pelo marido dela. Eram diversas ameaças”, disse.

Largou um pouco dos movimentos sociais para estudar e se dedicar ao judiciário, com o sonho de se tornar juíza para fazer a diferença. A mulher negra de Belo Horizonte, que dedicou a vida a proteger e ajudar quem precisa, dando sua cara a tapa, cravou seu nome na história dos movimentos sociais da Bahia. Apesar de sair do país não abandonou o seu legado como “monstro de defender mulheres”.

Foto: arquivo pessoal

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