Colunista Moacir Saraiva: O velório do “Carranca”

Era um sujeito muito conhecido onde morava, taxista, atendia muito bem, das crianças aos idosos, sempre com um sorriso e boas maneiras. Tinha este apelido por ter o rosto avantajado e descomunal, as pessoas o achavam horroroso, mas quando o conheciam constatavam ser uma alma linda e um grande homem. Era um “monstro” bonito. Os mais letrados até o chamavam também de “A fera”, fazendo referência ao texto infantil francês de Gabrielle-Suzanne Barbot (1740), e que se transformou em filme: “A Bela e a Fera”. O rosto disforme, mas um olhar doce e um sorriso acolhedor.

O sujeito com a idade já avançada, como se diz na gíria popular, com seus setenta, “já está na boca da noite”. Acordava cedo e passava o dia na labuta e com muito prazer, pois além de gostar de ser taxista, seu sustento já era garantido pela aposentadoria, portanto, trabalhava por puro prazer.

Nasceu o primeiro bisneto do Carranca, e o garoto ao chegar a casa, foi acolhido com uma grande festa, afinal ser bisavô era uma alegria que não cabia no próprio corpo, assim o senhor Carracanca dizia.

Ele, nesta celebração, bebeu, comeu dentro do que podia ser feito, sorriu muito, brincou com todos que foram à festa, os netos e os filhos tinham prazer em conversar e brincar com o velho. Neste dia, mesmo diante da alegria, se recolheu antes de todos, porque no outro dia, na madrugada, iria buscar um casal no aeroporto de Salvador. A cidade onde morava ficava a 250 km da capital.

Saiu cedo, e na ida, seu Carranca sofreu um acidente fatal e seu corpo ficou em pedaços.

O velório foi muito doído, pois além de ser muito bem aceito na cidade, ao morrer, mesmo os ruins viram bons, contribuiu também para a forte dor a forma da morte, e outro agravante é que o caixão não poderia ser aberto, pois o rosto e o corpo ficaram em pedaços. Imaginem o sentimento da esposa, dos filhos, dos netos e dos amigos em não ser possível vê-lo, pela última vez, mesmo morto.

Como nas histórias de encantamento, entrou uma senhora, que era tida como maluca na cidade, encostou-se ao caixão devagarzinho e ninguém sabe como, arrancou a parte que cobria o rosto do seu Carranca e num passe de mágica o descobriu. O espanto foi geral, todos engoliram o choro, as lágrimas evaporaram olho adentro e sufocaram também os berreiros que são próprios do momento.

Apareceu um rosto de um jovem bonito, cheio de charme e sem nenhum arranhão e com um olhar doce e um sorriso acolhedor.

No meio da confusão, onde se acreditava na estória da Bela e a Fera, chegaram uns agentes do Instituto Médico Legal de onde são liberados os corpos, traziam outro caixão com o corpo do seu Carranca, houve um erro.

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