Colunista Moacir Saraiva: “O cheiro do café desapareceu”

         Ao passar pelas ruas da minha Teresina, ruas esburacadas, sem calçamento.Asfalto só conhecíamos em estradas federais, portanto, nossas ruas eram vias, aos olhos de hoje, péssimas para se transitar nelas, mas que nada, eram ruas boas e que nos ofereciam uma série de vantagens que desapareceram, sem saudosismo, mas nossa geração viveu intensamente e feliz nas arrumações das cidades de outrora.

         Nas casas não havia muros, no máximo eram umas muretas, nas portas, que delimitavam os limites entre a rua e as casas,e serviam até de assento nos fins de tarde, em que vizinhos se ajuntavam para prosear e fofocar também.

         Ao caminhar pelas ruas, algo chamava a atenção, eram os cheiros e principalmente aqueles saídos das panelas, dos fornos e dos bules, claro que havia cheiro não recomendáveis, esses não vinham de dentro das casas, estavam expostos nas ruas, era um animal morto, animal de pequeno porte, às vezes, era restos de peixes ou de outros alimentos nas latas de lixo, isso quando a carroça do lixo se atrasava. 

         Cheiro de leitão assado, aquele cheirinho de uma carne de sol, de um bife, cheiro de uma panelada e de outras comidas eram comuns nas ruas, sobretudo próximo ao meio dia, já se vinha da rua com fome e esses cheiros aguçava mais ainda a vontade de comer.

         Mas há o cheiro dos cheiros, aquele que vai mais longe do que qualquer um exalado pelas carnes, a mais suculenta que seja. Em algumas residências, o produto era comprado “in natura” e, em casa, acontecia todo o processo de preparação, os grãos eram adquiridos e em casa ia para um forno a fim de ser torrado. Já nesse processo, a vários metros de distância, se sentia o cheiro gostoso dos grãos de café torrando.

         Na primeira parte da manhã e no final da tarde os cheiros do café se cruzavam nas ruas, pois em todas as residências se preparava esse que era e ainda é o ingrediente principal do “café da manhã”, até o nome mostra a pujança desse produto na alimentação do brasileiro, pois ele é apenas um dos ingredientes do desjejum. Como em todas as casas se fazia café não se sabia a origem do cheiro, era um verdadeiro cheiro cruzado.

         Com o passar dos anos, o café foi sendo modernizado, nas embalagens, agora tem o café a vácuo, pois, segundo os fabricantes, esse tipo de embalagem preserva por mais tempo o cheiro e o sabor do café. Nós, na condição de bons consumidores, desejamos o que há de mais moderno, consumimos sem nos questionarmos da veracidade dessa informação, acreditamos piamente no que dizem as propagandas, os fabricantes e até a ciência.

         O desafio que faço é o seguinte: você ainda sente o cheiro e o gosto do café?

Não sei se essa geração mais nova sabe qual o cheiro e o gosto desse ingrediente, mas aqueles que já têm mais de 40 carnavais no lombo sabem perfeitamente do que estou falando.

         Hoje, pode vir o café moído na embalagem comum, a vácuo, ou até em capsulas,  em nenhuma dessas modernidades se sente mais o cheiro, no momento que se está fazendo o café, a água fervendo e banhando o pó, nada de cheiro, você pode até mergulhar o nariz nasvasilhas em que ele é preparado, mas daí não vem nenhum aroma a que estávamos acostumados, agora vem uma fragrância de água escura, que a nada se associa, além da falta desse elemento, o gosto também é muito diferente. Provavelmente, minha geração, em virtude da Covid, tenha sido acometida por anosmia, uma anosmia pontual, apenas com relação ao café.

         Antes, de longe,identificávamos onde estava sendo feito, tão somente pelo cheiro, e quando se bebia era bem saboroso o gosto do café. Hoje, nem com o nariz enfiado na xícara se identifica que se trata de café

         O que estão fazendo com o nosso café?

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