Colunista Moacir Saraiva: A enfermidade das enfermidades
Colunista Moacir Saraiva
No século XXI, ainda há muita gente, no Brasil e em muitos outros povos, que não consegue decifrar as letras e, consequentemente, as palavras são algo estranho para elas. Não confundamos saber ler um texto com saber ler o mundo, pois a leitura do mundo e a leitura da vida independem de saber decifrar o alfabeto de qualquer língua.
Todos sabem traduzir os signos que o mundo oferece, os iletrados são doutores nessa ciência, os moradores do campo, mesmo sem ter frequentado bancos escolares, leem o tempo, sabe o momento de plantar, conhecem as plantas do lugar e sabem inclusive seu valor medicinal, aprenderam com seus ancestrais e passam para frente. Eles andam em todos os caminhos e veredas dos lugares onde moram sem fazer uso de GPS, e quando têm de desbravar novos horizontes não se perdem, apenas a experiência e as dicas ouvidas por terceiros o fazem chegar ao destino.
No campo existem outros signos que eles conhecem muito bem, por exemplo, quando se trata de chás, sabem a quantidade de folhas a serem usadas, se houver misturas de folhas com raízes, sabem as porções certas, sem buscar no google ou em livro de medicina natural, além das quantidades indicam os horários que o enfermo tem de beber o santo remédio oriundo das plantas e raízes.
Já vi muitos homens de roça, olharem para o tempo e dizerem: hoje à noite vamos caçar animais para nos alimentarmos, pois a lua tá boa e vamos ter sucesso na nossa empreitada e a previsão acontece de fato, isso é leitura de mundo.
Não são poucos os pescadores, cujos bumbuns passaram longe dos bancos escolares, mas a partir da observação do mar, dizem ser um dia próspero para a pesca e singram os mares e quando voltam, os barcos vêm carregados com frutos do mar.
Quando os protagonistas estão em lugares errados, sofrem e até podem chegar ao pior. O citadino letrado ao enveredar pelos matos ou pelo mar sem ter estudado nos livros, não têm o mesmo olhar que o sertanejo ou o homem beradeiro ver a sua realidade e a interpreta, da mesma forma quando o iletrado precisa decifrar as letras não sai do lugar e, muitas vezes, paga um preço alto.
O casal de iletrados já idosos, mora na roça desde que nasceram, seus filhos têm conhecimentos das letras, mas o convívio com os pais é pouco. A idade chega e não vem sozinha, as enfermidades vêm junto, e com esse casal não é diferente, o moço menos saudável do que a esposa e esta dava o suporte ao amado. Ele precisava tomar muitos medicamentos prescritos por médicos, uma filha vinha no fim de semana e arrumava toda a medicação e, além de anotar o horário, repetia para a mãe, separando o remédio a ser medicado e o horário a ser aplicado.
Algumas vezes o idoso piorava em virtude de os medicamentos serem dados trocados, ou em horários muito diferentes dos prescritos, ou ainda o exagero ou diminuição da porção indicada na receita. A última vez que a filha foi visitá-los chorou muito por essa dificuldade da mãe, pois esta não conhece uma letra sequer.
A mãe também doente, e disse para a filha:
– Minha filha, a minha maior enfermidade é não saber ler para cuidar melhor do teu pai.