Religiões se reinventam para realizar os rituais fúnebres na pandemia

Do catolicismo à umbanda, todas as religiões precisaram encontrar alternativas para se despedir dos falecidos durante a pandemia e respeitar os protocolos sanitários

Os ritos fúnebres estão presentes em todas as religiões e nos países mundo afora. Além da fé, os rituais de despedidas constituem um traço cultural repleto de valor emocional, uma vez que é o principal momento em que um grupo se une para se despedir de alguém especial.

Com a pandemia, este cenário mudou completamente. Uma das principais recomendações para evitar o contágio da Covid-19 é o distanciamento social. Isso inclui a realização de cerimônias religiosas e fúnebres.

Entre as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) está, justamente, evitar missas ou velórios. No período pandêmico, esses eventos precisam ter um número reduzido de pessoas e sem nenhum tipo de contato ou aproximação entre elas.

Diante desse cenário, fica a pergunta: quando mais de 4,5 milhões de pessoas em todo o mundo já foram vitimadas por Covid-19 (além dos demais indivíduos que morrem de outras causas), como dizer adeus sem os tradicionais ritos de passagem?

Este complexo paradoxo passou a acompanhar o dia a dia dos líderes religiosos que, juntamente com as suas comunidades, desenvolveram novas estratégias para permitir que quem fica pudesse completar este importante ciclo.

Para Andréia Vicente, antropóloga e historiadora da Universidade Federal Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), declarar a morte de um ente querido vai além de sua condição fisiológica, tendo um forte efeito simbólico e emocional.

“Seja do momento da internação em um hospital até o fim do luto, os rituais de morte têm vários estágios diferentes. O intervalo é marcado pelos protocolos do estado, mas também pela subjetividade, individualidade e religiosidade de cada indivíduo”, explica Andréia em entrevista ao site Comciência.

Apesar de estarmos em um momento de avanço na vacinação no Brasil e no exterior, o coronavírus ainda apresenta muitos riscos. Por isso, as medidas de segurança devem ser mantidas, inclusive para velórios, funerais e outras manifestações religiosas de caráter fúnebre.

Neste artigo, listamos as principais soluções encontradas pelas religiões para realizar os seus rituais fúnebres durante a pandemia.

Catolicismo

Na vertente católica do cristianismo, a morte representa a passagem para a vida eterna. A missa de corpo presente é celebrada como a última despedida  antes do sepultamento.

Com a pandemia, a maneira que a Igreja Católica encontrou para se adaptar foi pelos meios online. “As paróquias acolhem os nomes dos falecidos por chat, WhatsApp e telefone para adicionar à Santa Missa”, conta o padre Francisco Ivan de Souza, da Paróquia e Santuário Nossa Senhora de Fátima, em entrevista ao jornal Diário do Nordeste.

Cristianismo evangélico

Com muitas ramificações diferentes, a religião evangélica é uma das mais populares do Brasil. De maneira geral, os rituais fúnebres acontecem em diferentes contextos e de formas distintas.

Há, por exemplo, ritos que ocorrem nos próprios templos, com canções da Harpa Cristã, orações e depoimentos. Por outro lado, existem rituais de despedida dos evangélicos que são realizados nos próprios velórios, com as mesmas práticas, com a presença do pastor, familiares e membros da congregação, que se despedem do falecido com orações e louvores.

Com a pandemia, alguns ritos foram modificados. Na Assembleia de Deus, por exemplo, uma pessoa da igreja visita a casa da família enlutada para trazer uma palavra de conforto, além do apoio de outras pessoas por redes sociais, por exemplo.

Ou seja, o uso da tecnologia é a principal alternativa para dar apoio às pessoas enlutadas e oferecer gestos de apoio no contexto da comunidade evangélica.

Judaísmo

Nesta religião, a morte é vista como o processo final do mundo das ações e uma mudança para a vida eterna. O Judaísmo conta com diversas etapas e simbolismos em seus ritos fúnebres.

É celebrada pela Taharah, ritual onde o corpo do falecido é banhado com água e, depois é colocada a Tajrijim, uma mortalha semelhante à utilizada pelos sacerdotes no Templo de Jerusalém.

O corpo é, então, colocado em um caixão de madeira simples para simbolizar que somos todos iguais na hora da morte. Os familiares do falecido fazem a Keriá, que consiste em rasgar uma parte da roupa que estão utilizando, para simbolizar a morte como um rompimento do corpo físico que deixa de existir.

Os sete primeiros dias de luto no lar da família são chamados de Shivá. Nos primeiros 11 meses após a morte, uma prece especial, chamada Kadish, é recitada para elevar a alma da pessoa que partiu.

“Na pandemia, estamos evitando qualquer tipo de ritual que esteja relacionado ao contato direto com o corpo do falecido. As outras ações seguem sendo realizadas normalmente”, afirma Saulo Tavares, voluntário da entidade Chevra Kadisha, de Fortaleza (CE), em uma entrevista ao jornal Diário do Nordeste.

Espiritismo

No espiritismo, a morte significa o retorno à vida espiritual. Por isso, a desencarnação (morte do corpo físico) é vista com positividade, pois é o reencontro no plano espiritual.

Fernando Bezerra, vice-presidente do Instituto de Cultura Espírita do Ceará, explicou, também em entrevista ao Diário do Nordeste, que há poucos ritos físicos na partida de alguém, e que os adeptos da religião focam em vibrações de paz e tranquilidade e orações.

“Sempre reforçamos que o que mais nos aproxima dos espíritos que amamos são os pensamentos e as vibrações de amor. Nos reunimos para vibrar por quem partiu e também pelos que ficam”, comenta Bezerra.

Umbanda

Os seguidores da umbanda veem a morte como parte da caminhada que é a vida, tanto que, em alguns segmentos da religião, usa-se a palavra “partida” ao invés de “morte”.

Cada terreiro possui ritos próprios, que estão conectados à função daquela pessoa na casa. Algumas práticas têm sincretismo com o catolicismo.

Durante a pandemia, alguns rituais ainda são realizados, sempre de acordo com as orientações de segurança determinadas pelas autoridades de saúde, como uso de máscaras e distanciamento físico.

Candomblé

Para o candomblé, não existe a morte do espírito, apenas o fim do corpo físico e o início da vida espiritual em um novo plano.

O desligamento simbólico do corpo é realizado no Ilê (casa) Axé (espaço sagrado). Nesta cerimônia, que pode durar de um a três meses, os simbolismos mostram que aquele corpo já não pertence mais ao plano carnal. Do velório ao sepultamento, são entoados cânticos para reforçar que a missão daquele espírito na terra chegou ao fim.

Com a pandemia, o corpo do falecido não está presente nas etapas tradicionais do ritual.

Indígenas Kuikuro

Este povo indígena é um dos que está localizado na região do Alto do Xingu, no norte do Mato Grosso. A tradição fúnebre inclui pintar o corpo com desenhos ancestrais, adornar e abraçar fortemente, como se preparasse o falecido para uma festa.

Todos os simbolismos estão ligados à crença de que, desta forma, a pessoa falecida será respeitada pelos antepassados quando chegar ao outro lado.

Com a pandemia, muitas destas cerimônias foram suspensas para evitar o contágio do coronavírus.

Islamismo

Após a morte, os islâmicos acreditam na Vida Eterna como recompensa a quem não adorar nada além de Allah — nome utilizado para se referirem a Deus.

O ritual costuma ser rápido, sem velórios ou vigílias. O corpo é lavado, enrolado em panos brancos e levado para a mesquita. Lá é realizada uma oração para, então, o corpo ser enterrado.

A pandemia levou à suspensão das etapas de lavagem do corpo. Além disso, as orações podem ser realizadas fora da mesquita.

O que podemos aprender com o “novo normal” é que os rituais podem passar por adaptações e modificações, mas não irão sumir.

“Rituais alternativos já existiam, mas passarão a serem mais experimentados, mesmo após a pandemia. Nossas culturas têm a vantagem de criar novas formas quando nós precisamos delas”, finaliza a antropóloga e historiadora Andréia Vicente, da Unioeste.

Por causa da pandemia, em relação aos rituais de despedida, o protocolo em muitos países como o Brasil permitiam apenas o sepultamento rápido, com o caixão lacrado e um número reduzido de pessoas, que poderiam prestar as últimas homenagens com coroa de flores, depoimentos, cânticos e outras manifestações.

As religiões em todo o mundo precisaram fazer adaptações para seguir os protocolos sanitários e evitar a propagação da Covid-19 entre os fiéis. O uso da tecnologia, a adequação de rituais e a suspensão de algumas atividades foram as alternativas encontradas.

No mercado, as empresas também passaram a oferecer soluções para amenizar os efeitos negativos das restrições sobre os momentos de despedida. Desenvolvidos pela Laços para Sempre, os arranjos de condolências foram e são um exemplo de alternativa frente aos protocolos que limitam os velórios.

Na prática, os arranjos de condolências podem ser oferecidos como “gesto de carinho e apoio a familiares e amigos do falecido quando a pessoa não pode comparecer ao velório para prestar sua última homenagem”, informa a empresa em seu site.

 

Foto: Roque de Sá/Agência Senado

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