Colunista Moacir Saraiva: “Viúva diferente!”

 

A recém-viúva já com oitenta e poucos anos, muito ativa, comerciante das boas, festeira, cabo eleitoral atuante, frequentava grupos de terceira idade e se fazia presente em todas as atividades organizadas pelo grupo. Nas viagens, por mais longas que fossem e mesmo sendo feitas em ônibus, era a primeira a colocar o nome na lista e a efetuar o pagamento para não perder a vaga. Muito conhecida na cidade, ou melhor, toda a cidade a conhecida.

Por correr nas veias sangue de camelô, é uma exímia comerciante, gosta de negociar com cada freguês, pois negocia, estrebucha, cria argumentos convincentes e sempre vende seus produtos. Seja no empreendimento na própria casa, seja nas viagens, seja em quermesses, ou outros ambientes onde lhe era permitido negociar. Geralmente a mercadoria vendida nas viagens paga todas as despesas e ainda tem lucro. Respira ganhar dinheiro, é bem verdade que é pouco, o dia todo e todos os dias. Isso a faz não desperdiçar um centavo sequer em qualquer investida.

Há quase trinta anos separada e, segundo as más línguas, o litígio foi motivado por dinheiro, ela se sentiu lesada financeiramente pelo marido e resolveu romper o casamento de trinta anos, deixando cinco filhos e a casa. O fato motivador, foi a compra de uma geladeira, o marido viajando e a bendita pifou, ela teve de comprar outra na certeza de que o esposo iria restituir o dinheiro, o marido não o fez e ela se picou de casa.

Apesar do apelo do marido e dos filhos, a então cinquentona não cedeu e foi morar sozinha. Desde então nunca mais procurou o marido e o sujeito arranjou outra mulher, bem mais nova, com quem viveu junto desde então, neste novo matrimônio filhos não foram feitos.

Em plena pandemia, o sujeito morre depois de passar anos com doenças limitantes e sendo cuidado, com muito zelo, pela nova esposa e os filhos dele também participavam desta empreitada, mas a esposa antiga jamais o procurara, magoada por causa do dinheiro da geladeira.

Quando soube que ficara viúva, a oitentona fez questão de ir dar o último adeus ao ex-marido, e a ida ao velório obedeceu a todos os códigos internacionais e interioranos de como se apresentar nesses eventos. A viúva foi com o ar triste, sem batom, apagou até o esmalte vermelho que lhe era peculiar, vestiu uma roupa preta, óculos preto, até um véu da mesma cor da roupa ela o colocou. Ao chegar ao velório, se pôs ao lado do ataúde, onde se encontrava o corpo com o qual ela se privara de relacionar-se, há aproximadamente 30 anos, e ela ficou do lado oposto onde se encontrava a nova viúva,

Na ida ao velório, emerge com toda força seu lado de comerciante, a oitentona passou em uma floricultura, comprou uma coroa de flores, pagou apenas a metade, a outra metade do pagamento ela levou a fatura e, no velório, a entregou a nova viúva, esta delicadamente não se opôs a quitar a dívida.

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