Colunista Moacir Saraiva: “A Triana mais vazia”
A praça da Triana está mais vazia. Antes do carnaval ela entristeceu, pois um dos seus mais frequentadores assíduos a deixou. O andante sem destino ocupava os espaços em toda ela, ora circulava até no meio da rua atrapalhando o trânsito e, muitas vezes, andava caminhando para trás, sem muito equilíbrio e sem noção de direção, assim, os veículos se desviavam do nosso ocupante da praça a fim de não atropelá-lo.
E a qualquer hora que se passasse pela praça, lá estava ele todos os dias, pela manhã, à tarde e até o anoitecer. Não fazia mal a ninguém, tinha sérios distúrbios mentais que influenciavam inclusive na coordenação motora. Perambulava de um lado para outro e gostava muito de ser agradado. Durante o dia, por instinto, sabia o horário onde buscaria algo para comer ou beber. Recebia um café na casa de uma das moradoras, aí. no horário certo, todos os dias estava ele lá, com sua voz embolada, quase que não se fazia entender, pedindo o café. Em outro lugar ganhava pão e todos os dias, sem falhar o horário, ele comparecia pedindo pão, pois sabia que seria atendido, mas caso não fosse, não dizia nada também. Saia de mansinho.
Quando a baiana do acarajé começava a arrumação de seus instrumentos de trabalho, ele era o primeiro a chegar para junto dela. Ele se sentava perto da baiana do acarajé e quando ela não fornecia um de seus quitutes, alguém se dispunha a pagar um para ele. E assim ia vivendo pulando de porta em porta, de banco em banco da Praça da Triana. Quando o pipoqueiro colocava seu carro na praça, lá estava ele, era considerado até como o auxiliar deste e o gentil homem da pipoca reservava para ele um saco grande de seu produto e o nosso andante comia com voracidade. Da mesma forma o homem da padaria, as senhoras donas de casa da praça também o agradavam, o porteiro do colégio o servia com café. Todos colaboravam com o “nômade” da praça.
Além de ser este andante, era vigia dos vigias, ele sempre advertia o pessoal de uma empresa da praça, dizendo que o vigia bebia toda noite.
Em alguns períodos, suas faculdades mentais diminuíam mais ainda, e chegava a ficar nu no meio da rua, quando estava assim, respeitava apenas aos policiais que o levavam e depois o traziam de volta, talvez com doses de remédios mais fortes.
Era uma figura que todos da praça conheciam e muitos o alimentavam. Era um sujeito que talvez tenha nascido assim com distúrbios mentais agudos, quando cheguei aqui em 1995, o ponto dele era na praça da República, dançando em frente caixas de som de um bar que funcionava à noite. Ele ficava sozinho dançando até o estabelecimento fechar, era magro e assim como hoje, todos o conheciam e o ajudavam também.
Não sei com quantos anos ele partiu, mas uma vida como esta de nosso “nômade” deve servir de reflexão para nós considerados normais. Vi no Último julgamento, em São Mateus, uma explicação a fim de mostrar que estes homens e mulheres com tais distúrbios devem ser objeto de nosso amor, de nosso respeito e, acima de tudo, de nossos cuidados. São pessoas puras de coração, são pessoas, que talvez tenha uma atenção especial do Criador e são colocadas no mundo para que a humanidade possa manifestar o amor a Deus. Mt 25, 36 “Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber…
Não sei como partiu, quais as causas, mas sua vida aqui, neste plano, seguramente, ajudou muita gente a servir a Deus.