Brasil precisa de legislação robusta para combater pesca ilegal


O Dia Internacional da Luta contra a Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamentada reforça a necessidade de aprimorar a Lei da Pesca brasileira, a fim de corrigir gargalos, como a ausência de medidas eficazes e a pouca transparência
 


5 de junho: Dia Internacional da Luta contra a Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamentada. Foto Oceana / Fábio Nascimento


O dia 5 de junho é uma data importante para a proteção do meio ambiente, a conservação dos recursos naturais e a manutenção da biodiversidade, da saúde e da abundância desse bem de uso comum. Além do Dia Mundial do Meio Ambiente, o calendário também marca o Dia Internacional da Luta contra a Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamentada, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2017, a fim de alertar para um problema que gera inúmeros prejuízos ambientais, sociais e econômicos. Calcula-se que os prejuízos com a atividade chegam a mais de dois bilhões de dólares em impostos não arrecadados no mundo todo.


A pesca IUU, como é conhecida a partir da sigla em inglês “Illegal, Unreported and Unregulated fisheries”, é um fenômeno global que visa obter vantagens indevidas por práticas irregulares ou não permitidas pelas legislações nacionais e internacionais. A prática encontra diversas facilidades, sobretudo pelas brechas legais internacionais ou por deficiências locais, como ausência de estrutura administrativa robusta, legislações fracas e pouca transparência, como ocorre no Brasil.


Em 2021, o país deu um passo importante no combate a essas atividades, ao disponibilizar, de forma pública e on-line, os dados de rastreamento de mais de 1,4 mil embarcações de pesca industrial na Global Fishing Watch, plataforma criada pela Oceana, em parceria com o Google e a Skytruth. No entanto, desde então, pouco foi feito.


A Auditoria da Pesca Brasil 2022, publicação realizada pela Oceana, apontou que, das 21.051 embarcações inscritas no Registro Geral da Atividade Pesqueira, cerca de 20%, ou 3.830 embarcações, deveriam estar sendo rastreadas, tendo em vista suas características como tamanho ou capacidade de carga, ou mesmo por atuarem em pescarias cujas medidas de ordenamento estabelecem tal obrigatoriedade. “Na realidade, o que se observa é uma ausência de medidas que visem combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, cuja origem, no Brasil, está na própria Lei da Pesca (Lei Federal nº 11.959/2009) e na falta de aprimoramento do Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite – PREPS”, explica o diretor científico da Oceana, Martin Dias.


Estoques pesqueiros de grande relevância econômica e social, como o pargo, na região Norte, e a lagosta, na região Nordeste, encontram-se, frequentemente, sobrepescados, em parte por conta da continuidade da pesca IUU. Outro problema comum no país é a tolerância ao desenvolvimento de frotas pesqueiras clandestinas, até o ponto em que as práticas existentes de fiscalização e repressão se tornam politicamente inviáveis.


“As medidas de gestão pesqueira são pensadas com o objetivo de manter a sustentabilidade biológica dos estoques, como é o caso do estabelecimento de limites de captura ou de períodos de pesca. Mas as capturas ilegais vão diminuindo o sucesso dessas medidas, já que, quando burladas, elas se tornam ineficazes”, afirma o diretor-científico da Oceana. Segundo ele, “a consequência disso é que toda a cadeia da pesca é impactada, com prejuízos para as populações de pescado, mas também para quem se submete às regras e pratica a pesca legal. Essa situação torna-se ainda mais grave quando não há punição para essas práticas, já que isso empurra parte dos pescadores para a ilegalidade e mina, por completo, a credibilidade dos sistemas de gestão”.


Além disso, um problema específico da pesca não reportada é que ela pode influenciar as avaliações científicas sobre o estado dos estoques pesqueiros, já que a ausência de dados fidedignos sobre a atividade gera estimativas incorretas no que diz respeito à abundância e seus potenciais de produção sustentável.


Desde 2022, a Oceana vem conduzindo um processo de revisão do marco legal da pesca no país, incluindo uma série de diálogos com a própria comunidade pesqueira, a fim de entender suas necessidades e desafios e, ainda, de criar mecanismos e estruturas que combatam, de forma ampla e eficaz, a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, por meio da modernização da legislação existente.


Prejuízos globais

A revisão apresentada no artigo “Illegal, unregulated and unreported fishing impacts: a systematic review of evidence and proposed future agenda“, da publicação internacional Marine Policy, mostra que o mercado de pescados ilegais ou não reportados pode chegar a um montante entre 9 e 14 milhões de toneladas anuais de pescado, totalizando algo em torno de 9 a 17 bilhões de dólares em todo o mundo. Com isso, tem-se um prejuízo de mais de dois bilhões de dólares em impostos não arrecadados, impondo um elevado custo a toda a sociedade.
 

Globalmente, a pesca IUU também está relacionada a outros graves problemas, como evasão de divisas, sonegação fiscal, falta de controle da qualidade do pescado, abusos de direitos humanos e crime organizado transnacional. Para tentar combater o problema, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura e Alimentação (FAO) adotou, em 2001, o Plano de ação internacional para prever, deter e eliminar a Pesca Ilegal, Não Declarada e Não Regulamentada (IPOA-IUU, em inglês), e desenvolveu o Acordo sobre Medidas de Estado de Porto (PSMA, em inglês), que ainda se encontra em processo de ratificação pelo Brasil. Esses documentos estabelecem diretrizes e medidas obrigatórias para o estabelecimento de ações individuais ou integradas entre países para coibir a pesca IUU.


Entenda as diferenças

A pesca ilegal refere-se às atividades conduzidas por embarcações nacionais ou estrangeiras em águas sob a jurisdição de um Estado, mas sem sua permissão, em contradição com suas regulamentações ou em contravenção com as medidas de conservação que ali se aplicam e, ainda, às atividades em violação de leis nacionais ou obrigações internacionais para o gerenciamento da pescaria.


Já a pesca não reportada diz respeito às atividades pesqueiras não reportadas ou erroneamente reportadas às autoridades nacionais competentes, contradizendo suas leis e regulamentos, ou ainda, que estão em desacordo com procedimentos das organizações regionais de ordenamento pesqueiro.


A pesca não regulamentada, por sua vez, refere-se às atividades conduzidas por embarcações sem nacionalidade ou que ostentam bandeiras de Estados não integrantes da organização regional de ordenamento pesqueiro ali regente, ou que estão em contravenção ou inconsistência com as medidas de conservação previstas por essa organização e pelas leis internacionais. Inclui, ainda, as atividades realizadas em áreas ou visando populações de pescados para os quais ainda não há medidas de conservação aplicáveis.
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Sérgio Maggio

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