Biomédica valoriza identidade negra em nova abordagem estética
Dra. Jéssica Magalhães_ Divulgação
A especialista em pele preta Jéssica Magalhães destaca a importância de um atendimento para pessoas negras como forma de combater estereótipos e padrões de beleza inalcançáveis.
Em uma sociedade que historicamente impôs padrões de beleza excludentes, a luta pela valorização da estética negra é uma forma poderosa de resgatar a ancestralidade e reafirmar a identidade. No Brasil, mais de 55% da população se identifica como preta ou parda, de acordo com o último censo do IBGE. No entanto, milhões de brasileiros ainda enfrentam barreiras que vão além da desigualdade econômica ou social.
A falta de representatividade e a pressão estética para se encaixar em moldes irreais corroem a autoestima, criando um sentimento de apagamento e exclusão. Esse padrão estético excludente tem raízes históricas, que remontam à colonização e à escravização dos povos africanos no Brasil. Durante séculos, as características físicas das pessoas negras – cabelos crespos, peles escuras, traços faciais – foram vistos como inferiores ou fora dos ideais de beleza, reforçando estereótipos racistas que promoviam a negação da identidade negra.
Neste contexto, novembro, o Mês da Consciência Negra, ganha um significado especial. É um período em que vozes negras se elevam para celebrar a cultura afro-brasileira e refletir sobre a importância de desfazer padrões colonizados de beleza. Reivindicar um espaço para a valorização dos traços afro é mais do que estética; é um ato de resistência.
Assim, a biomédica Jéssica Magalhães, com mais de 10 anos de experiência como especialista em pele preta, defende que essa reconstrução é necessária e urgente. Para ela, trabalhar com uma estética descolonizada é resgatar a autoestima, honrando as particularidades e a ancestralidade de cada pessoa.“Por muito tempo estivemos presos na ideia de um único padrão de beleza. É algo que precisamos desconstruir, principalmente durante este mês. Ainda há muita pressão por esse padrão, mas o acesso a outras realidades, corpos e, principalmente, à nossa beleza ancestral tem permitido fortalecer nossa autoestima”, ressalta.
Além da questão cultural, a abordagem de Jéssica também responde a uma necessidade na área da saúde. Estudos dermatológicos ainda focam principalmente na pele branca, criando uma lacuna crítica para o desenvolvimento de tratamentos específicos para pele negra. Ela ressalta que, sem essa atenção especializada, as necessidades das pessoas negras continuarão a ser negligenciadas, perpetuando a exclusão. “Os estudos precisam incluir a nossa diversidade. A pele negra tem suas especificidades e necessidades, e ignorar isso é perpetuar a exclusão“, afirma.
A baixa representatividade de pessoas negras na mídia é outro fator que intensifica a pressão por um padrão de beleza que não reflete a diversidade. A pesquisa TODXS/10, realizada pela ONU Mulheres e pela Aliança #SemEstereótipos, aponta que a presença negra na publicidade brasileira ainda é baixa. Como consequência, muitos se veem forçados a buscar procedimentos invasivos para se adequar a um ideal inatingível, muitas vezes ao custo de sua saúde mental e física.
“A pressão estética é implacável e, hoje, é amplificada pelo uso contínuo das redes sociais. A expectativa de um corpo e um rosto ‘perfeitos’ não só nos distancia da nossa própria imagem como também impõe um sofrimento silencioso e profundo“, explica Jéssica. Ela defende que os serviços direcionados à pele preta e às suas especificidades ajudam a promover o bem-estar e a autoconfiança.
Um estudo da Universidade de San Diego, intitulado “Beholding the Beauty of Self“, reforça essa visão, mostrando que a valorização da aparência fortalece a identidade e proporciona uma sensação de pertencimento e controle, especialmente para mulheres negras. Para Jéssica, o autocuidado vai além da estética; ele é uma forma de recuperar uma narrativa pessoal e coletiva. “Sempre reforço que nossa beleza está na ancestralidade e na singularidade de cada um. Somos únicos, e essa individualidade não pode ser perdida em uma busca por um padrão que jamais incluiu nossos corpos e histórias”, conclui.
Glaucia Pinheiro